“Espero que você morra logo!”, disse seu filho… sem saber que a velha lutaria até o fim.

Em um canto empoeirado do interior do México, ergue-se uma casa de adobe, marcada pelos anos: o refúgio de Dona Jacinta Ramírez, uma mulher de 78 anos com mãos calejadas por décadas de trabalho, criando filhos com milho e suor. Esta casa, construída com seu falecido marido Pascual após anos de salários diários, trocas e sacrifícios, é mais do que um telhado: é sua história, seu orgulho, toda a sua vida.

Naquela manhã de segunda-feira, o silêncio na casa foi quebrado por uma batida forte na porta. Jacinta, descascando milho na cozinha, olhou para cima. Era Mauro, seu filho mais velho, acompanhado por um homem de terno justo e rosto impassível. Entraram sem pedir permissão, sem abraço ou cumprimento, apenas com uma frase atirada como uma pedra:  “Mãe, vendemos a casa. Você tem que sair antes do fim do mês.”

Jacinta achou que tinha ouvido errado.  “Como assim, eles venderam? Quem deu permissão?”

“Não precisávamos de autorização”,  respondeu Mauro friamente.  “Está tudo em ordem. O advogado trouxe os papéis.”

O homem de casaco azul-marinho tirou uma pasta e colocou-a sobre a mesa, exatamente onde Jacinta costumava servir o atole. Ela não a tocou; apenas a olhou, com uma mistura de dor e dignidade.

“Esta casa é minha”,  ela murmurou.

“Era seu, mãe, mas não é mais”,  respondeu Mauro, e concluiu cruelmente:  “Ou o quê, você estava pensando em morrer sentado aqui? Eu queria que você morresse logo e nos deixasse viver em paz.”

O silêncio que se seguiu foi como um relâmpago sem trovão. O advogado baixou o olhar, desconfortável. Jacinta não chorou nem gritou; apenas tirou o pano das pernas, limpou as mãos e se levantou.

“Saia da minha casa.”

“Não é mais seu”,  repetiu Mauro, quase desafiadoramente.

“Deus o dirá”,  respondeu Jacinta com uma calma que pesava como chumbo. Ela os acompanhou até o portão de madeira sem olhar para trás. Trancou-o e ficou ali. As galinhas cacarejavam ao fundo; o cachorro se aproximava inquieto, e ela o acariciava com a mão trêmula.

Naquela tarde, Jacinta abriu o armário e tirou uma pasta embrulhada em trapos velhos: a escritura original do terreno, os recibos do IPTU, a escritura de compra e venda assinada com Pascual há mais de quarenta anos. Tudo ainda estava em seu nome. Sentou-se sob o limoeiro e olhou para o horizonte; seus olhos não continham lágrimas, mas continham fogo.

“Não vou embora assim, Pascual. Se quiserem me enterrar viva, primeiro terão que lutar contra a própria terra”, murmurou ela ao vento. “Porque quando uma mulher trabalhou a vida toda, a última coisa que ela perde é a força para defender o que é seu.”

No dia seguinte, Jacinta acordou ao primeiro canto do galo. Mal dormira; o corpo doía, mas a alma estava mais desperta do que nunca. Despejou água no fogão, esquentou um pouco de café, amarrou bem o xale e trançou o cabelo como se fosse para a guerra, o que, de certa forma, era o que estava acontecendo. Guardou a pasta com os documentos no cesto de compras, entre guardanapos e raminhos de epazote, e rumou para a cidade. Cada passo na estrada de terra era uma declaração: não vão me tirar de lá sem lutar.

Ela atravessou o mercado, cumprimentou com um aceno de cabeça quem a reconheceu e chegou ao escritório do Sr. Rentería, um velho amigo de Pascual que trabalhava havia anos no cartório municipal. O homem de cabelos grisalhos, sobrancelhas grossas e voz grave a cumprimentou com surpresa.

“Jacinta, que milagre ver-te aqui.”

“Vim em busca de justiça”, ela respondeu sem rodeios.

“Meu filho queria me vender a casa sem a minha assinatura e disse com a própria boca que queria que eu morresse. Não vou ficar de braços cruzados.”

O advogado pegou a pasta, colocou os óculos e revisou cada pedaço de papel. Levou quase meia hora. Então, tirou os óculos e olhou para ela seriamente:  “Você é a única dona, Jacinta. O que eles fizeram não é apenas errado, é um crime.”

Ela baixou o olhar por um momento, não por medo, mas por contenção, porque o que sentia não era tristeza, mas uma raiva silenciosa e profunda.

“E agora?”

Vou te colocar em contato com uma advogada cuja mão não treme, nem mesmo na frente de representantes. O nome dela é Beatriz Mendoza. Ela é jovem, mas não está à venda. Se alguém pode te ajudar, é ela.

Jacinta pegou o papel com o nome e endereço como quem recebe um facão recém-afiado.

“Obrigado, Don Rentería. Não vão me jogar fora como um trapo sujo. Não dei esta casa a ninguém e, enquanto eu viver, ninguém a tirará de mim.”

Ela voltou para casa antes do meio-dia. O sol cortava a terra. Sentou-se em seu banco de sempre, ao lado da árvore onde Pascual pendurava sua rede, e acariciou a pasta como se fosse uma relíquia. Seu fiel cão deitou-se ao lado dela, olhou para o céu e disse:  “Meu Deus, Tu sabes que nunca pedi mais do que o necessário. Ajuda-me a não vacilar, porque esta luta não é por raiva, é por respeito. E quando uma mãe camponesa luta por seu respeito, nem o vento ousa se voltar contra ela.”

Na tarde seguinte, Dona Jacinta chegou ao escritório de Beatriz Mendoza. Era um lugar pequeno e simples, com cheiro de papel e café requentado, mas um olhar bastou para perceber que ela não era uma advogada qualquer. Beatriz tinha o olhar de alguém que não se choca mais com a injustiça.

Jacinta colocou a pasta sobre a mesa, endireitou-se e começou a contar o que havia acontecido. Não parou para chorar, não pediu compaixão, apenas relatou os acontecimentos com a voz de quem já semeou sulcos mais profundos que a dor.

Beatriz revisou os papéis um por um. Ao terminar, suspirou:  “Há problemas sérios aqui. O que eles fizeram não é apenas ilegal. É também cruel.”

Jacinta assentiu:  “Disseram-me que eu era velha, que estava no caminho, e o meu próprio filho cuspiu-me na cara.”

Beatriz fechou a pasta com firmeza:  “Vamos entrar com uma ação por falsificação de assinatura e nulidade de contrato, mas saiba que isso vai levantar poeira. Está pronta?”

O olhar de Jacinta não se moveu um milímetro:  “Tenho enfrentado tempestades a vida toda. Não é esta que vai me derrubar.”

Eles assinaram os documentos. O advogado explicou que em poucos dias apresentariam tudo ao juiz e solicitariam a suspensão imediata de qualquer tentativa de despejo. Jacinta retornou à aldeia, com os passos mais firmes do que nunca. Naquela noite, dormiu melhor. Não porque a vitória estivesse garantida, mas porque não estava mais sozinha.

Ao amanhecer do quarto dia, enquanto varria o quintal, ouviu batidas no portão. Era Mauro, sozinho, sem advogado, um canalha.

“Preciso falar com você”,  ele disse, evitando o olhar dela.

“Fale daí.”

“Mãe, eu não queria te machucar, mas a casa já foi vendida. Precisamos do dinheiro. É para as crianças, para pagar as minhas dívidas. Você já pagou a sua parte.”

Ela interrompeu com a mesma voz que usara um dia para ordenar que uma tempestade se acalmasse:  “E é por isso que você queria me jogar fora como lixo? Era por isso que você queria que eu morresse?”

Mauro abaixou a cabeça. O silêncio o atingiu mais do que qualquer palavra poderia ter dito. Então, do fundo do corredor, Emiliano, seu filho de 14 anos, apareceu. O neto de Jacinta, alto, magro, com olhos negros como carvão.

“Foi isso que você disse à minha avó?”,  perguntou ele baixinho. Mauro não respondeu. Emiliano se aproximou do portão, parou ao lado da avó e olhou para o pai com raiva reprimida:  “Se o que você está fazendo é por nós, deixe-me dizer, eu não quero nada que venha de traição. Esta é a casa da minha avó. Nós crescemos aqui. Ela cuidou de nós aqui. Se você não sabe o valor dela, eu sei.”

Jacinta não chorou, mas por dentro uma velha rachadura se fechou, porque no meio do abandono de um filho, acabara de descobrir a lealdade de um neto, e isso valia mais que qualquer herança.

Os dias seguintes foram um turbilhão de papéis, telefonemas e memórias dolorosas que Jacinta tentou manter a sete chaves. A advogada Beatriz informou-a de que o juiz havia deferido o pedido de suspensão de qualquer ação sobre a propriedade. A casa estava legalmente protegida por enquanto, mas Jacinta sabia que guerras não se vencem com selos, mas sim com dignidade.

Certa tarde, enquanto estendia roupas no quintal, viu um carro com vidros escuros estacionar em frente à sua casa. Ninguém saiu; apenas ficaram parados, observando. Tentavam intimidá-la. Jacinta não se escondeu. Sentou-se em seu banco de pedra e descascou laranjas como se nada estivesse acontecendo. Seu cachorro deitou-se ao lado dela sem medo.

“Eles não assustam ninguém aqui”,  ela disse suavemente,  “muito menos a mim”.

Naquela noite, Emiliano voltou com os olhos cansados:  “Minha mãe voltou para a casa dos pais dela. Ela diz que não quer escândalos.”

Jacinta serviu-lhe arroz com banana-da-terra. O menino comeu em silêncio. Então, disse:  “Meu pai está arrasado, mas não por arrependimento, mas por medo do que está por vir.”

Jacinta olhou para ele com ternura. Não era justo que o neto tivesse que carregar a culpa pelos outros, mas o que ela disse em seguida deixou uma marca duradoura nele:  “Olha, filho, há golpes que os estranhos te dão e outros que a tua própria carne e sangue te dão, e esses doem o dobro, mas se não revidares, serás pisoteado como um trapo velho. E eu não nasci para que me limpem os pés.”

Dias depois, a notificação chegou. A audiência preliminar seria em 15 dias. Beatriz explicou tudo claramente. Eles teriam que comparecer com os documentos originais, explicar o ocorrido e deixar que o juiz analisasse a validade da suposta venda.

“E se ficar provado que falsificaram a minha assinatura, não só anularão o contrato, como o Ministério Público poderá abrir um inquérito criminal contra o seu filho.”

Jacinta assentiu com firmeza:  “Não estou fazendo isso para punir ninguém. Estou fazendo isso porque, se eu me deixar levar uma vez, ninguém mais vai me olhar com respeito.”

Naquela noite, Emiliano pediu permissão para ficar. Ele trouxe sua mochila e seu caderno.

“Quero escrever a sua história, vovó, para que ninguém a esqueça, para que quando eu tiver filhos eles saibam quem você foi.”

Jacinta demorou a responder. Olhou para a lareira, para as paredes enfumaçadas, para o retrato de Pascual, e disse:  “Então escreva com cuidado, filho, para que todos saibam que aqui viveu uma mulher que não gritava, mas também não se curvava.”

O menino anotou as palavras cuidadosamente, como alguém que guarda ouro em um caderno.

Na véspera da audiência, Jacinta preparou tamales de feijão. Beatriz viria buscá-la cedo. Lá fora, o vento previa chuva. Lá dentro, o silêncio era firme como pedra, não de medo, mas de certeza, porque no dia seguinte ela não estaria apenas defendendo sua casa, ela estaria defendendo seu nome.

Na manhã da audiência. O céu amanheceu pesado, como se também aguardasse justiça. Pontualmente às 8h, a caminhonete da advogada Beatriz parou em frente à casa. Dona Jacinta saiu com o cabelo trançado, a blusa florida impecavelmente passada e os papéis embalados em um saco de algodão bordado por suas próprias mãos.

“Pronta?”,  perguntou Beatriz.

“Mais do que nunca”,  respondeu Jacinta sem pestanejar.

A sala do tribunal era fria, com cheiro de poeira velha e papéis úmidos. Mauro já estava lá, ao lado da advogada. Ele não olhou para ela. Jacinta não ia perder tempo olhando para o homem que queria enterrá-la viva.

O juiz, um homem de semblante severo, pediu que Beatriz explicasse o caso. O advogado o fez sem rodeios:  “O imóvel permaneceu legalmente em nome de Jacinta. Não havia procuração, e a assinatura no contrato de compra e venda não correspondia a nenhuma letra do proprietário original. Solicitamos que o contrato seja anulado por falsificação e que o imóvel seja resguardado enquanto o processo criminal correspondente estiver pendente.”

O juiz analisou os documentos, pediu silêncio e olhou para Mauro:  “O senhor tem algo a dizer?”

O homem se levantou desajeitadamente, gaguejando que era tudo por necessidade, que achava que conseguiria, que não acreditava que sua mãe reagiria daquela forma. Sua voz tremia, mas não de culpa, mas de medo.

Jacinta, apoiando a bengala na cadeira, levantou-se. O juiz lhe deu a palavra:  “Meritíssimo, eu construí aquela casa com meu marido, tijolo por tijolo. Criei meus filhos lá. Enterrei o amor da minha vida lá. Aquela casa não foi comprada com dinheiro; foi construída ao longo de anos, com muito trabalho, com fé. Não estou aqui por capricho. Estou aqui porque ninguém tem o direito de tirar a história de quem a plantou com as duas mãos.”

Silêncio. Um silêncio denso como terra molhada. O juiz assentiu:  “O contrato de compra e venda está anulado e o processo será remetido ao Ministério Público por possível falsificação e usurpação patrimonial.”

Beatriz tocou delicadamente o braço de Jacinta. Era o fim ou o começo. Lá fora, Emiliano a esperava com um caderno debaixo do braço e um sorriso trêmulo.

“Você venceu, vovó.”

“Não, filho, eu venci a mim mesmo.”

Naquela tarde, no quintal de terra batida, enquanto descascavam milho na espiga, sentados num banco velho, Jacinta falou com o menino como raramente o fizera antes:  “Eu não desejaria o que aconteceu a ninguém. Mas se um dia você ou alguém que você ama for traído, saiba que ficar calado não é humildade, é entrega, e que se uma avó como eu pôde se defender, qualquer um pode.”

Emiliano anotou palavra por palavra. E naquela noite, enquanto o vento balançava os galhos do limoeiro, a casa inteira pareceu respirar aliviada, não só por estar protegida, mas porque sabia que dentro daquelas paredes, uma história que ninguém poderia apagar, continuava viva.

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